Mons. Umberto Benigni (1912)
Ultramontanismo, termo usado para designar o Catolicismo integral e ativo, porque este reconhece como seu cabeça espiritual o Papa, que, para a maior parte da Europa, habita além das montanhas (ultra montes), isto é, além dos Alpes. O termo “ultramontano”, com efeito, é relativo: do ponto de vista romano, ou italiano, os franceses, os alemães e todos os outros povos ao norte dos Alpes são ultramontanos, e a linguagem técnica eclesiástica, de fato, aplica a palavra precisamente nesse sentido. Na Idade Média, quando um Papa não italiano era eleito, dizia-se que ele era um Papa ultramontano. Nesse sentido a palavra ocorre com muita frequência em documentos do século XIII; após a migração para Avignon, contudo, ela caiu em desuso na linguagem da Cúria.
Em sentido muito diferente, a palavra entrou novamente em uso após a Reforma Protestante, que foi, entre outras coisas, um triunfo daquele particularismo eclesiástico, baseado em princípios políticos, formulado na máxima: Cujus regio, ejus religio. Entre os governos católicos e os povos católicos desenvolveu-se gradualmente tendência análoga de considerar o Papado como um poder estrangeiro; o galicanismo e todas as formas de regalismo francês ou alemão afetavam considerar a Santa Sé como se fosse um poder estrangeiro, por ficar além das fronteiras alpinas tanto do reino francês quanto do império germânico. Esse nome de ultramontano os galicanos aplicaram aos defensores das doutrinas romanas — seja a do caráter monárquico do Papa no governo da Igreja ou a do magistério pontifício infalível — na medida em que os últimos teriam de renunciar às “liberdades galicanas” em favor do cabeça da Igreja, que residia ultra montes. Esse uso da palavra não era inteiramente novo; já no tempo de Gregório VII, os oponentes de Henrique IV na Alemanha haviam sido chamados de ultramontanos (ultramontani). Em ambos os casos, o termo pretendia denegrir, ou ao menos comunicar a imputação de uma falha na adesão ao príncipe, à Igreja nacional ou ao país do ultramontano.
No século XVIII, a palavra passou da França de volta para a Alemanha, onde foi adotada pelos febronianos, josefinistas e racionalistas, que chamavam a si mesmos de católicos, para designar os teólogos e os fiéis que aderiam à Santa Sé. Assim, a palavra “ultramontano” adquiriu uma significação bem mais ampla, sendo aplicável a todos os Católicos Romanos dignos do nome Católico Romano. A Revolução adotou esse termo polêmico do antigo regime: o “Estado Divino”, antes personificado no príncipe, agora encontrava sua personificação no povo, tornando-se mais “Divino” do que nunca à medida que o Estado tornava-se cada vez mais laico e irreligioso, e, tanto por princípio como de fato, negava qualquer outro Deus que não ele próprio. Na presença dessa nova forma da velha estatolatria, o “ultramontano” é o antagonista dos ateus tanto quanto os crentes acatólicos, senão mais: vide o Kulturkampf bismarckiano, do qual os Liberais Nacionais antes que os protestantes ortodoxos foram a alma. Assim a palavra veio a ser aplicada mais especialmente na Alemanha a partir das primeiras décadas do século XIX. Nos frequentes conflitos entre Igreja e Estado, os defensores da independência e liberdade da Igreja frente ao Estado são chamados ultramontanos. O Concílio do Vaticano naturalmente atraiu numerosos ataques escritos contra o ultramontanismo. Quando o Centro formou-se como partido político, ele foi preferencialmente chamado o partido ultramontano. Poucos anos depois, o “Reichsverband Anti-Ultramontano” ganhou existência para combater o Centro e, ao mesmo tempo, o Catolicismo como um todo.
Como nosso presente propósito é dizer o que é o ultramontanismo, está além do nosso escopo expor a doutrina católica sobre o poder da Igreja e, em particular, do Papa, seja em questões espirituais ou em questões temporais, essas matérias sendo tratadas alhures sob seus respectivos títulos. É suficiente aqui indicar o que nossos adversários querem dizer com ultramontanismo. Para os católicos, seria supérfluo perguntar se ultramontanismo e Catolicismo são a mesma coisa: seguramente, os que combatem o ultramontanismo estão na realidade combatendo o Catolicismo, mesmo quando negam o desejo de atacá-lo. Um dos adversários recentes do ultramontanismo entre católicos fora padre, o Prof. Franz Xaver Kraus, que diz (“Spektatorbrief”, II, citado no artigo Ultramontanismus in “Realencycl. fur prot. Theol. u. Kirche”, ed. 1908): “1. Ultramontano é aquele que põe a ideia de Igreja acima da ideia de religião; 2… que substitui a Igreja pelo Papa; 3… que acredita que o reino de Deus é deste mundo e que, como afirmou o curialismo medieval, o poder das chaves, dado a Pedro, incluía também a jurisdição temporal; 4…que acredita que a convicção religiosa pode ser imposta ou debelada com o emprego de força material; 5… que está sempre disposto a sacrificar a uma autoridade exterior aquilo que sua própria consciência claramente dita.” De acordo com a definição dada em Leichtenberger, “Encycl. des sciences religieuses” (ed. 1882): “O caráter do ultramontanismo manifesta-se, sobretudo, no ardor com que combate todo movimento de independência nas Igrejas nacionais, na condenação que inflige às obras escritas para defender essa independência, em sua negação dos direitos do Estado em questões de governo, de administração e de controle eclesiástico, na tenacidade com que ele buscou a declaração do dogma da infalibilidade papal e com que ele advoga incessantemente a restauração do poder temporal do papa como garantia necessária de sua soberania espiritual.”
A guerra contra o ultramontanismo explica-se não somente por seus adversários negarem a genuína doutrina católica do poder da Igreja e do poder do chefe supremo da Igreja, mas também, e ainda mais, pelas consequências dessa doutrina. É completamente falso atribuir à Igreja objetivos políticos de domínio temporal entre as nações, ou a pretensão de que o Papa pode ao seu bel-prazer depor soberanos, que o católico deve, mesmo em questões puramente civis, subordinar a obediência ao seu próprio soberano àquela que ele deve ao Papa, ou que a verdadeira pátria do católico é Roma, e assim por diante. Estas são pura e simplesmente invenções, ou então paródias maliciosas. Não é científico nem honesto atribuir ao “ultramontanismo” o ensinamento particular de algum teólogo ou alguma escola de tempos idos; ou invocar certos fatos de história medieval que podem ser explicados pelas condições peculiares, ou pelos direitos que os Papas possuíam na Idade Média (por exemplo, seus direitos em conferir a coroa imperial). No mais, basta acompanhar com atenção, um a um, os esforços empreendidos nos jornais e livros deles, para se convencer de que essa guerra movida pela coalizão racionalista-protestante-modernista contra o “clericalismo” ou “ultramontanismo” é, fundamentalmente, dirigida contra o Catolicismo integral — ou seja, contra o Catolicismo, papal, antiliberal e contra-revolucionário.
Do verbete “Ultramontanism”, in: The Catholic Encyclopedia, vol. XV, Nova York: Robert Appleton Company, 1912, p. 125.
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