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Providência e Misericórdia no decurso de nossa existência

Esse artigo foi retirado da obra do Pe. Réginald Marie Garrigou-Lagrange, O.P.:

"A providência e a confiança em Deus, Quinta Parte , Providência, Justiça e Misericórdia" (Capítulo 2 - Providência e Misericórdia)



Se a Justiça divina na vida presente dá a cada um o necessário para viver como deve e atingir o seu fim, a Misericórdia, por sua vez, dá muito além do estritamente necessário. Nesse sentido, ela ultrapassa a Justiça.


Por exemplo, Deus poderia criar-nos em um estado puramente natural, dar-nos somente um alma espiritual e imortal, sem a graça; foi por pura bondade que ele nos concedeu, desde o dia da criação, participar sobrenaturalmente de sua vida íntima; Ele nos deu a graça santificante, princípio de nossos méritos sobrenaturais.


Do mesmo modo, depois de nossa queda, ele poderia em Justiça, deixar-nos em nossa desgraça. Podia também livrar-nos do pecado por um simples perdão, anunciado por um profeta, sob tais e tais condições. Mas ele fez infinitamente mais: por pura misericórdia, Ele nos deu seu próprio Filho, como vítima redentora; e nós podemos sempre invocar os méritos infinitos do Salvador. A Justiça não perde os seus direitos, mas a Misericórdia triunfa.


Depois da morte de Jesus, bastava que nossas almas fossem conduzidas por graças interiores e pela pregação do Evangelho; mas a divina Misericórdia nos deu muito mais: ela nos deu a Eucaristia, que perpetua em substância o sacrifício da Cruz sobre nossos altares e nos aplica seus frutos.


Por fim, cada um de nós, nascendo numa família cristã e católica, recebeu da divina Misericórdia incomparavelmente mais do que o necessário concedido por Deus aos selvagens do centro da África. Com esse mínimo necessário, esse selvagem, se não resistir às primeiras graças prevenientes, receberá as outras graças indispensáveis à salvação. Mas nós, desde a infância, recebemos muito mais.


Se prestarmos atenção, veremos que fomos conduzidos pelas mãos invisíveis da

Providência e da Misericórdia, que nos preservou de muitos passos em falso, e nos levantou individualmente depois de nossas quedas.


Assim, se a Justiça divina recompensa desde este mundo, os nossos méritos a Misericórdia nos deu além dos nossos méritos.


Na oração do 11º domingo depois de Pentecostes se diz: “Deus eterno e todo poderoso, que na efusão de vossas graças, ultrapassais os méritos e os desejos daqueles que vos suplicam, derramai sobre nós a vossa misericórdia, livrai-nos dos castigos que a nossa consciência nos faz temer e concedei-nos o que nós vamos esperar em resposta às nossas preces, por Cristo Nosso Senhor”.


A graça da absolvição após um pecado mortal não é merecida, é um dom gratuito. Quantas vezes esse dom nos foi concedido!


Igualmente, a graça da comunhão não é obtida por nossos méritos; ela é o fruto do sacramento da Eucaristia, que por si mesmo a produz em nós, e todos os dias, se o quisermos. Quantas comunhões a Misericórdia divina nos proporcionou! Pensemos que se fôssemos fiéis em combater todo apego ao pecado venial, cada uma de nossas comunhões seria substancialmente mais fervorosa que a precedente; pois cada uma deve, não apenas conservar, mas aumentar em nós a caridade, e dispor-nos, assim a receber Nosso Senhor no dia seguinte com fervor substancial, uma prontidão de vontade, não somente igual, mas maior.


Se estivéssemos atentos a essa lei de aceleração do amor de Deus na alma dos justos, ficaríamos admirados. Veríamos que, assim como a pedra cai tanto mais rapidamente quanto mais se aproxima da terra que a atrai, assim também as almas justas devem caminhar para Deus tanto mais rapidamente quanto mais se aproximam dele, sendo consequentemente mais atraídas por Ele. Compreende-se então a palavra do salmo: “Misericordia Domini plena est terra — A terra está cheia de Misericórdia do Senhor” (Sl 32, 5). E os pecadores podem dizer como está escrito no Salmo 89,14: “Volta, Senhor, tem piedade de nós, sacia-nos pela manhã com tua bondade, e ficaremos alegres”.


Se pudéssemos ver o curso de nossa existência tal como está escrito no livro da vida, veríamos quantas intervenções da Providência e da Misericórdia vieram reconstituir a cadeia de nossos méritos, que tinha talvez sido quebrada por nossos pecados.


Mas não menos bela é a intervenção da Misericórdia no momento supremo.


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