A Apostolicidade é uma das quatro notas da Igreja, ou seja, uma das quatro propriedades que afirmamos no Credo da Missa e que são as propriedades características da Igreja de Jesus Cristo, propriedades que permitem distingui-la das falsas religiões. Dentre essas notas, a Apostolicidade tem um lugar particular, pois ela serve muito especialmente para distinguir a Igreja das seitas falsamente católicas: estas, assim como os hereges declarados, podem reivindicar (falsamente) as outras notas, mas elas não podem se prevalecer da Apostolicidade. A Apostolicidade é, pois, me parece, o ponto de vista mais verdadeiro e mais sério em que é necessário colocar-se, para um justo discernimento, no estado presente da Igreja.
“A Igreja é dita apostólica de maneira tripla:
— em razão de sua origem e de sua história, pois assim como ela vem de Jesus Cristo, seu chefe e principal fundador, assim também ela vem dos Apóstolos, seus fundadores ministeriais;
— em razão da identidade, pois a Igreja de hoje é substancialmente a mesma que a Igreja apostólica quanto à fé, quanto ao governo e quanto aos sacramentos;
— em razão da sucessão, pois ela é regida, como por uma dinastia, pelos legítimos sucessores dos Apóstolos.”
(Bainvel, De Ecclesia Christi, Paris 1925, p. 72)
A origem apostólica estando provada de uma vez por todas, é a identidade e a sucessão que é preciso particularmente examinar.
Aplicação da identidade
Porque a nota de Apostolicidade comporta necessariamente a identidade com a religião dos Apóstolos tal como ela foi transmitida através dos séculos sob a assistência do Espírito Santo, não se pode reconhecer a Autoridade pontifícia a Francisco. Essa impossibilidade não é somente fundada na fé, ela é interior ao ato de fé. Se se reconhece em Francisco a Autoridade apostólica, das duas uma: — ou se adere verdadeiramente ao ensinamento de seu magistério, e então nega-se em ato essa identidade da Apostolicidade, porque se professa erros (liberdade religiosa, nova concepção da natureza humana, falsos princípios sobre a Encarnação do Filho de Deus e sobre a Igreja) que a Igreja já condenou, e porque se adere a um “sistema sacramental” que não é nem fruto nem expressão da fé da Igreja; — ou se recusa o ensinamento de seu magistério e os ritos sacramentais que ele promove, e então, queira-se ou não, nega-se em doutrina e em ato essa identidade da Apostolicidade. Com efeito, uma tal atitude implica necessariamente a negação (ou a diminuição) da soberania do Papa sobre a Igreja nos seus poderes de magistério, de ordem e de jurisdição. Cai-se, assim, em erros e em uma mentalidade que a Igreja sempre recusou e condenou.
Sucessão
A nota de Apostolicidade implica a sucessão ininterrupta desde os Apóstolos. Como somente ele pode desempenhar esse papel, cumpre reconhecer em Francisco algo que garante a continuidade da Sé Apostólica: essa continuidade deve, com efeito, ser tal que cada Papa apareça claramente como o sucessor de São Pedro, e que o próximo Papa seja o sucessor do último verdadeiro, sem ruptura nem “nova dinastia”, ainda que ela fosse “de origem divina”. Esse algo não pode mais ser uma realidade jurídica, como poderia o ser em Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II, que podiam se gabar de terem tido verdadeiros cardeais entre seus eleitores. É, portanto, algo de mais tênue, de potencial: não resta senão um fato público (o estar-ali) que não é mais que uma disposição próxima a ser reconhecido pela Igreja universal em caso de ruptura com a nova religião do Vaticano II. Há ainda uma continuidade, mas uma continuidade que consiste em simples capacidade. Isso permite chamar Francisco de papa materialiter, sujeito ocupante da Sé Apostólica sem ser um antipapa declarado, mas totalmente privado de autoridade (a autoridade é, aliás e bem evidentemente, indivisível).
Restauração
A restauração da ordem na Igreja não se poderá fazer a não ser por via de autoridade, pois tal é a Constituição divina dada por Jesus Cristo à Sua Igreja. A restauração da Autoridade não poderá se fazer senão conformemente à Apostolicidade, pois tal é a nota distintiva da Igreja Católica; ela não poderá se fazer, pois, a não ser por via de conversão ou de sucessão, ou seja no interior da Sucessão Apostólica – da qual Francisco é o potencial detentor – e por abandono (de uma forma ou de outra, mas sem equívoco) de tudo o que não é conforme à doutrina e à prática apostólicas, tais como ressaltam da transmissão feita pelo Magistério anterior.
Não vejo outra possibilidade que seja simultaneamente conforme à Constituição da Igreja, ao primado da fé e aos fatos observáveis.
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